sábado, 22 de maio de 2010

"A chegada de lampião no inferno"




A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO POR JOSÉ PACHECO

Um cabra de Lampião

por nome Pilão Deitado

que morreu numa trincheira

um certo tempo passado

agora pelo sertão

anda correndo visão

fazendo malassombrado.



E foi quem trouxe a notícia

que viu Lampião chegar

o inferno nesse dia

faltou pouco pra virar

incendiou-se o mercado

morreu tanto cão queimado

que faz pena até contar



(...)



Vamos tratar na chegada

quando Lampião bateu

um moleque ainda moço

no portão apareceu:

Quem é você, cavalheiro?

Moleque, eu sou cangaceiro:

Lampião lhe respondeu.



- Moleque não, sou vigia

não sou seu pareceiro

e você aqui não entra

sem dizer quem é o primeiro:

- Moleque, abra o portão

saiba que sou Lampião

assombro do mundo inteiro.



(...)

Vigia disse assim:

fique fora que eu entro

vou conversar com o chefe

no gabinete do centro

por certo ele não lhe quer

mas conforme o que disser

eu levo o senhor pra dentro.



Lampião disse: vá logo

quem conversa perde hora

vá depressa e volte já

eu quero pouca demora

se não me derem ingresso

eu viro tudo asavesso

toco fogo e vou embora.



O vigia foi e disse

e satanás no salão:

saiba a vossa senhoria

que aí chegou Lampião

dizendo que quer entrar

e eu vim lhe perguntar

se dou-lhe ingresso ou não.



- Não senhor, satanás disse

vá dizer que vá embora

só me chega gente ruim

eu ando muito caipora!

eu já estou com vontade

de botar mais da metade

dos que tem aqui pra fora.



- Lampião é um bandido

ladrão da honestidade

só vem desmoralizar

a nossa propriedade

e eu não vou procurar

sarna pra me coçar

sem haver necessidade.



(...)

Leve cem dúzias de negros

entre homem e mulher

vá lá na loja de ferragem

tire as armas que quiser

é bom avisar também

pra vir os negros que tem

mais compadre de Lucifer



E reuniu-se a negrada

primeiro chegou Fuchico

com o bacamarte velho

gritando por Cão de Bico

que trouxesse o Pau de Prensa

e fosse chamar Tangença

em casa de Maçarico.



(...)



E saiu a tropa armada

em direção do terreiro

com faca, pistola e facão

cravinote e granadeiro

uma negra também vinha

com a trempe da cozinha

e o pau de bater tempero.



Quando Lampião deu fé

da tropa negra encostada

disse: só na Abissínia

oh! tropa preta danada!

o chefe do batalhão

gritou de arma na mão;

- Toca-lhe fogo, negrada!



Nessa voz ouviu-se tiros

que só pipoca no caco

Lampião pulava tanto

que parecia um macaco

tinha um negro neste meio

que durante o tiroteio

brigou tomando tabaco.



Acabou-se o tiroteio

por falta de munição

mas o cacête batia

negro rolava no chão

pau e pedra que achavam

era o que as mãos pegavam

sacudiam em Lampião.



(...)



Lucifer mais satanás

vieram olhar do terraço

todos contra Lampião

de cacête, faca e braço

o comandante no grito

dizia: briga bonito

negrada, chega-lhe o aço!



Lampião pôde apanhar

uma caveira de boi

sacudiu na testa dum

ele só fez dizer: oi!...

Ainda correu dez braças

e caiu enchedo as calças

mas eu não sei dizer o que foi.



(...)



Lampião pegou um seixo

rebolou-o num cão

mos o que; arrebentou

a vidraça do oitão

saiu fogo azulado

incendiou o mercado

e o armazém de algodão.



Satanás com esse incêndio

tocou no búzio chamando

correram todos os negros

que se achavam brigando

Lampião pegou a olhar

não vendo com quem brigar

também foi se retirando.



Houve grande prejuízo

no inferno nesse dia

queimou-se todo dinheiro

que satanás possuia

queimou-se o livro de pontos

perdeu-se vinte mil contos

somente em mercadoria.



Reclamava Lucifer:

horror mais não precisa

os anos ruins de safra

agora mais esta pisa

se não houver bom inverno

tão cedo aqui no inferno

ninguém compra uma camisa.



Leitores, vou terminar

tratando de Lampião

muito embora que não possa

vou dar a explicação

no inferno não ficou

no céu também não entrou

por certo está no sertão.

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